As duas crianças fizeram o teste do pezinho no hospital e nada foi detectado na tireóide. Mas aos seis anos, meu filho foi também diagnosticado com hipotireoidismo, e desde então toma o medicamento diariamente. Minha filha por enquanto não desenvolveu. O uso do medicamento é indicado inclusive durante o período de amamentação.
Segue matéria para alertar futuras mães sobre os riscos de não controlar sua tireóide.
Rose Guidoni
Problemas de tireoide interferem na fertilidade das mulheres
De acordo com a Fundação Americana de Tireoide, há cerca de
oito milhões de mulheres nos Estados Unidos com distúrbios da tireoide não
tratados. Calcula-se que de 4% a 8,5% da população feminina tenha problemas de
tireoide sem sintomas aparentes. Nas pacientes inférteis essa prevalência é
ainda maior. Para aquelas em idade reprodutiva, as perturbações menstruais, a
infertilidade e o aborto espontâneo podem ser o primeiro sinal de que algo está
errado. Com um pouco de atenção por parte do médico, as mulheres com
funcionamento deficiente ou excessivo dessa glândula podem ter seus problemas
corrigidos, evitando a infertilidade e as falhas dos tratamentos de
fertilização, obtendo gestações normais e bebês saudáveis.
A autoimunidade para tireoide é a mais comum manifestação
autoimune nas mulheres, afetando entre 5-20% das mulheres em idade reprodutiva,
15-20% das gestantes normais, 20-25% das mulheres com abortos de repetição e
20% das mulheres submetidas a fertilização in vitro (FIV). Ela também
é a principal causa do hipotireoidismo e pode permanecer sem se manifestar por
anos. É caracterizada pela presença dos anticorpos antitireoperoxidase
(Anti-TPO) e/ou o Anticorpo Antitireoglobulina (Anti-TG), com ou sem disfunção
tireoidiana.
“Há uma forte correlação entre autoimunidade para tireoide e outras causas de infertilidade, como endometriose, síndrome dos ovários policísticos (SOP) e falência ovariana precoce (FOP). Pode estar presente em até 25-40% das mulheres inférteis com endometriose, e as mulheres com SOP têm um risco até três vezes maior de apresentá-la. Quanto ao rastreamento, não há consenso entre os endocrinologistas. Alguns defendem que seja de rotina para todas as mulheres, outros somente em grupos de risco”, explica o especialista em reprodução humana Arnaldo Cambiaghi, diretor do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia em São Paulo.
“Há uma forte correlação entre autoimunidade para tireoide e outras causas de infertilidade, como endometriose, síndrome dos ovários policísticos (SOP) e falência ovariana precoce (FOP). Pode estar presente em até 25-40% das mulheres inférteis com endometriose, e as mulheres com SOP têm um risco até três vezes maior de apresentá-la. Quanto ao rastreamento, não há consenso entre os endocrinologistas. Alguns defendem que seja de rotina para todas as mulheres, outros somente em grupos de risco”, explica o especialista em reprodução humana Arnaldo Cambiaghi, diretor do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia em São Paulo.
HIPOTIREOIDISMO CLÍNICO E SUBCLÍNICO
Hipotireoidismo é definido como a ocorrência de valores de
T4 livre abaixo do normal (< 0,6 ng/dL) e TSH elevado (>5 mUI/L). Caracteriza-se
por sintomas bem evidentes, como constipação, fluxo menstrual aumentado, ganho
de peso, diminuição do apetite, letargia, depressão, problemas cognitivos,
fadiga, pele seca, intolerância ao frio ou dores musculares. Algumas mulheres
com disfunção da tireoide podem ainda apresentar níveis elevados de prolactina,
prejudicando ainda mais a fertilidade.
“Existe uma situação chamada hipotireoidismo subclínico,
quando as alterações hormonais são discretas, apresentando T4 livre ainda em
nível normal e TSH elevado (>5 mUI/L), e os sintomas são sutis, como a
infertilidade, abortos repetidos ou simplesmente dificuldade em perder peso”,
avalia o médico.
TIREOIDE E GESTAÇÃO
A gravidez per se altera profundamente a função tireoidiana.
No seu início, os elevados níveis de gonadotrofina coriônica provocam uma
reação cruzada com o receptor do TSH estimulando-o, provocando um aumento do T4
livre e umadiminuição do TSH. Além disso, os níveis crescentes de estradiol
aumentam os níveis da globulina ligadora de hormônio tireoidianos, diminuindo a
fração livre do hormônio e fazendo com que a glândula trabalhe mais. Outro fato
que pode agravar o quadro é o aumento do clearance renal, diminuindo o iodo
disponível para o organismo.
Não há consenso entre as sociedades de especialidades em
relação a conduta quanto ao rastreamento universal de disfunções da tireoide
para grupos de gestantes de baixo risco. Dr. Arnaldo frisa que as
pacientes de alto risco devem sempre ser rastreadas com TSH no início do
pré-natal. Nesse grupo incluem-se as que têm idade superior a 30 anos, história
familiar de hipotireoidismo, doenças autoimunes, uso de amiodarona ou lítio,
com radiação cervical, sintomas ou sinais de hipotireoidismo.
“O importante é saber que disfunção tireoidiana não tratada
na gestação pode acarretar sequelas ao feto e intercorrências durante a
gestação. Isso deve ser considerado quando se determinar a estratégia de
rastreio. Em relação ao feto, é bem estabelecido que a presença de
hipotireoidismo na gestação afeta o seu desenvolvimento neuropsicológico,
reduzindo o seu QI. Em relação ao hipotireoidismo subclínico alguns estudos
apontam para uma redução do QI em relação aos controles, porém ainda não há um
consenso na literatura”, diz o médico.
Na gravidez, a Sociedade Americana de Endocrinologia define
o cut-off de 2,5 mlU/l para o valor do TSH no primeiro trimestre da gestação.
Mesmo assim ainda não há consenso entre todas as sociedades de Endocrinologia
sobre se é adequado tratar com levotiroxina todas as gestantes que estejam
acima desse cut-off ou somente aquelas que também apresentam auto-anticorpos.
Alguns estudos mostram que mulheres com TSH entre 2,5 e 5,0 mlU/l e anticorpo
anti-TPO têm um risco maior de complicações obstétricas como aborto e parto
prematuro, quando comparadas com as sem disfunção tireoidiana e as com
disfunção porém em uso de levotiroxina. Mesmo as sem anticorpos positivos
apresentam um maior risco de perda gestacional comparadas às eutiroideas.
Já o hipertireoidismo na gestação também está associado a resultados
adversos. Ele pode levar a restrição de crescimento intrauterino,
pré-eclâmpsia, parto prematuro, baixo peso, perda fetal e insuficiência
cardíaca congestiva materna. A droga mais usada é o Propiltiuracil, já que o
Metimazole está associado a um risco maior de malformações quando utilizado no
primeiro trimestre.
TIREOIDE E INFERTILIDADE
A presença dos auto-anticorpos contra a tireoide por si só
pode alterar o ambiente reprodutivo, mesmo que eles se apresentem sem nenhuma
disfunção tireoidiana. É sabido que as mulheres inférteis têm uma prevalência
maior de auto-anticorpos contra a tireoide, independentemente da causa da
infertilidade. Eles podem alterar o feedback hipofisário por alterar a ligação
entre o estrogênio periférico com a globulina ligadora de esteroides sexuais
(SHBG). Além disso, o aumento do TSH e do hormônio liberador de tireotrofina
(TRH) em resposta ao hipotireoidismo pode levar a uma hiperprolactinemia com
consequente disovulia por alteração da pulsatilidade do hormônio liberador de
gonadotrofinas (GnRH).
Dr. Arnaldo Cambiaghi conta que também há um efeito direto
sobre o aparelho reprodutor: “Os hormônios tireoidianos têm receptores nas
células da granulosa e no cumulus ooforus, desempenhando um importante papel
tanto na fertilização como no desenvolvimento inicial do embrião. Os próprios
anticorpos anti-tireoide podem desencadear uma reação cruzada com a zona
pelúcida e com os receptores de hCG e TSH. Inclusive, esses auto-anticorpos
podem inibir a ação do hCG no corpo lúteo, com consequente declínio da produção
de progesterona e estrogênio no início da gestação”.
Mesmo apresentando um estado de eutiroidismo, a presença de
autoimunidade para tireoide por si só pode estar associada com uma deficiência
súbita nos hormônios tireoidianos ou uma resposta inadequada frente aos
incrementos dos níveis de estrogênio circulante.
Por outro lado há também mecanismos independentes do
funcionamento da tireoide e que são consequência da resposta imune inata e
humoral inadequada, como a incidência maior de deficiência de vitamina D, a
reação cruzada dos anticorpos anti-tireoide com outros sítios e a ocorrência
elevada de outras doenças autoimunes. Em relação à resposta imune
inadequada em pacientes com autoimunidade para tireoide, sabemos que há alterações
tanto quantitativas como qualitativas nas células T endometriais, com
consequente desbalanço de citocinas. Ao mesmo tempo, há uma ativação de2
a 3 vezes mais frequente de linfócitos B, que pode afetar negativamente
tanto a fertilidade como a gravidez, por se ligarem ao tecido trofoblástico e
induzir um estado pró-trombótico e uma ativação da cascata do complemento.
“A hiperatividade e o aumento em número das células natural
killers (NK) no endométrio é um fator que colabora para o aumento de infertilidade
nessas mulheres e é 40% maior nelas do que em controles. Há também um
aumento da incidência de anticorpos antifosfolípides e endometriose nessas
mulheres, que devem ser investigados. Do mesmo modo que mulheres com
endometriose também devem ter os seus anticorpos mensurados, pois durante o
estímulo para FIV elas podem apresentar uma deficiência súbita do hormônio
tireoideano, podendo levar a um aborto”, alerta o médico.
ESTIMULAÇÃO OVARIANA
Durante o processo de estimulação ovariana, há uma piora do
quadro de hipotireoidismo, já que o aumento dos níveis de estradiol circulantes
provoca um aumento da globulina ligadora dos hormônios tireoidianos, com
consequente menor quantidade de hormônio tireoidiano na sua fração livre.
Já se sabe que os valores de TSH, T4 livre e dos anticorpos
se alteram durante o período de estimulação ovariana. O TSH se eleva ao longo
do processo, atingindo o pico no dia da administração do hCG. Em um estudo
recente, 40% das mulheres que tinham um TSH < 2,5 no início da estimulação tiveram
seu valor aumentado para acima do cut-off ao término do estímulo.
Também há relatos de encontro desses anticorpos no fluido
folicular de pacientes submetidas a FIV, atingindo uma concentração de 50% da
encontrada no sangue. Talvez eles atrapalhem o amadurecimento e a qualidade
desses oócitos, impactando no sucesso do tratamento. Vários estudos
sustentam a ideia de que a autoimunidade para tireoide não influencia a taxa de
implantação, apesar de ter sido demonstrado que mulheres com falhas de implantação
apresentam uma incidência maior desses anticorpos do que as que fizeram
controles com infertilidade.
Além disso, eles aumentam o risco de aborto espontâneo em
três a cinco vezes, mesmo nas pacientes que não apresentam disfunção
tireoidiana.
A fisiopatologia desses abortos permanece incerta e inclui vários mecanismos. Os mecanismos tireoide dependentes podem ser a deficiência súbita do hormônio ou uma resposta inadequada em um momento de hiperestrogenismo provocado pela hiperestimulação ovariana e pela gravidez.
A fisiopatologia desses abortos permanece incerta e inclui vários mecanismos. Os mecanismos tireoide dependentes podem ser a deficiência súbita do hormônio ou uma resposta inadequada em um momento de hiperestrogenismo provocado pela hiperestimulação ovariana e pela gravidez.
TRATAMENTO
Uma meta-análise concluiu que há evidências para o
tratamento de mulheres com hipertireoidismo, hipotireoidismo clínico e
autoimunidade contra a tireoide durante a gestação, com melhora do prognóstico
fetal. Porém, não houve uma associação entre o tratamento do hipotireoidismo
subclínico sem anticorpos e o prognóstico da gravidez, não havendo consenso
entre as sociedades de tireoide sobre a necessidade de tratamento nesses
casos. Diante de tudo o que foi exposto, para pacientes que desejam
engravidar, o IPGO recomenda:
• se já fazem uso de levotiroxina por hipotireoidismo
instalado, manter níveis de TSH abaixo de 2,5 mlU/L;
• na presença de auto-anticorpos, levotiroxina deve ser introduzida se TSH>2,5 mlU/L, mantendo TSH abaixo deste valor. Mesmo que o mecanismo seja imunológico, parece que o maior prejuízo se dá pela deficiência súbita de hormônio, portanto a sua reposição, por ser simples e eficiente, é a estratégia mais recomendada, levando a uma redução de até 19% na chance de aborto e de 15,4% de parto prematuro em relação às mulheres não tratadas;
• no casos de hipotireoidismo subclínico (TSH>5 mUI/L), independentemente da presença de auto-anticorpos, deve ser introduzida levotiroxina, apesar de não ser consenso.
• na presença de auto-anticorpos, levotiroxina deve ser introduzida se TSH>2,5 mlU/L, mantendo TSH abaixo deste valor. Mesmo que o mecanismo seja imunológico, parece que o maior prejuízo se dá pela deficiência súbita de hormônio, portanto a sua reposição, por ser simples e eficiente, é a estratégia mais recomendada, levando a uma redução de até 19% na chance de aborto e de 15,4% de parto prematuro em relação às mulheres não tratadas;
• no casos de hipotireoidismo subclínico (TSH>5 mUI/L), independentemente da presença de auto-anticorpos, deve ser introduzida levotiroxina, apesar de não ser consenso.
CONCLUSÕES
A gestação e a estimulação ovariana provocam um grande
impacto na fisiologia da glândula tireoide. As mulheres inférteis devem ser
rastreadas para disfunções tireoidianas, especialmente as com endometriose e
SOP. Quando a disfunção é detectada, o tratamento com levotiroxina é capaz de
devolver a fertilidade, reduzindo a necessidade da FIV.
Apesar da presença de auto-anticorpos sem hipotireoidismo não comprometer a taxa de gravidez, ela aumenta sensivelmente o risco de aborto tanto nas gestações espontâneas como nas após a FIV.
Apesar da presença de auto-anticorpos sem hipotireoidismo não comprometer a taxa de gravidez, ela aumenta sensivelmente o risco de aborto tanto nas gestações espontâneas como nas após a FIV.
“Em resumo, as mulheres inférteis constituem um seleto grupo
de pacientes para as quais o rastreio de rotina para alterações tireoidianas
deve ser realizado, mesmo que ainda haja controvérsias sobre o tratamento em
pacientes eutiroideas. As mulheres que se submeterão a FIV devem ter um
rigoroso controle da sua função tireoidiana, já que a estimulação ovariana a
afeta diretamente e devem ser monitoradas rotineiramente durante a estimulação
e no início da gravidez”, encera Dr. Arnaldo Cambiaghi.
Sobre Arnaldo Schizzi Cambiaghi
Especialista em medicina reprodutiva e diretor do Centro de
reprodução humana do IPGO (Instituto Paulista de Ginecologia e
Obstetrícia), trilha sua carreira auxiliando casais na busca por um filho e
durante toda a gestação. Formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa
casa de São Paulo e pós-graduado pela AAGL, Ilinos, EUA em Advance
Laparoscopic Surgety. Membro-titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões,
da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica, da European Society of Human
Reproductive Medicine. É autor de diversos livros na área da reprodução humana
como Fertilidade Natural (Ed. LaVida Press), Grávida Feliz, Obstetra Feliz
(LaVida Press), Fertilização um ato de amor (LaVida Press), Manual da Gestante
(Ed. Madras), Os Tratamentos de Fertilização e As Religiões (Ed. LaVida Press),
Um Bebê e 2 Cegonhas” (Ed. La Vida Press). Criou também os sites: www.ipgo.com.br; www.fertilidadedohomem.com.br; www.fertilidadenatural.com.br,
onde esclarece dúvidas e passa informações sobre a saúde feminina,
especialmente sobre infertilidade. Apresenta seu trabalho em Congressos no
exterior, o que confere a ele um reconhecimento internacional.
Muito interessante... obrigada por compartilhar
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